A CIP remeteu ao Conselho Económico e Social (CES) a sua Nota Crítica ao Projeto de Decreto-Lei que transpõe para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva n.º 2014/50/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril, relativa aos requisitos mínimos para uma maior mobilidade de trabalhadores entre os Estados-membros, mediante a melhoria da aquisição e manutenção dos direitos a pensão complementar, tendo referido, em síntese, o seguinte:

1.

O Projeto de Decreto-Lei em referência visa transpor para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva n.º 2014/50/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril, relativa aos requisitos mínimos para uma maior mobilidade de trabalhadores entre os Estados-Membros, mediante a melhoria da aquisição e manutenção dos direitos a pensão complementar (doravante Diretiva 2014/50).

De acordo com o respetivo projeto de Preâmbulo, o objetivo da Diretiva que o Projeto de Decreto-Lei ora intenta transpor consiste em “facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre os Estados-Membros da União Europeia mediante a melhoria da aquisição e manutenção dos direitos a pensão complementar, no âmbito dos regimes profissionais complementares, dos membros desses regimes complementares de pensão, na medida em que as mesmas representam obstáculos à livre circulação dos trabalhadores.”.

O Projeto de Decreto-Lei visa, assim, instituir um regime “aplicável à aquisição e à manutenção de direitos a pensão complementar de todos os trabalhadores que cessem uma relação laboral, independentemente de circularem, ou não, entre diversos Estados-Membros da União Europeia”, tendo por base o direito à portabilidade dos direitos a prestações de regimes complementares previsto nas Bases da Segurança Social, aprovadas pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e procurando garantir a aplicação do princípio da igualdade.

Ainda de acordo com o respetivo projeto de Preâmbulo, o regime jurídico que o Projeto de Decreto-Lei intenta consagrar será aplicável “apenas aos regimes complementares de pensão cujos direitos sejam adquiridos em virtude de uma relação laboral e estejam associados à condição de se atingir a idade de acesso a pensão de velhice ou ao cumprimento de outros requisitos previstos no regime ou na lei, não se aplicando portanto a planos de pensões individuais, salvo os estabelecidos no âmbito de uma relação laboral ou de prestação de atividade independente.” (sublinhados nossos).

Em suma, o Projeto de diploma procura impedir que, em alguns regimes profissionais complementares de pensão, os direitos possam prescrever se “a relação laboral ou contratual de um trabalhador terminar antes de ele ter completado um período mínimo de adesão ao regime («período de aquisição») ou antes de ter atingido a idade mínima («idade de aquisição»)”, obstando a que os trabalhadores adquiram direitos a pensão adequados; o mesmo valendo relativamente “à imposição de um longo período de espera antes de o trabalhador poder tornar-se membro do regime de pensões, que pode ter um efeito idêntico” – cfr. 6.º parágrafo do projeto de Preâmbulo do projeto de diploma.

2.

Ainda no projeto de Preâmbulo do Projeto de Decreto-Lei, refere-se que a transposição da supramencionada Diretiva não prejudica a autonomia dos parceiros sociais, nos casos em que estes sejam responsáveis pela criação e gestão de regimes profissionais complementares – cfr. 3.º parágrafo do projeto de Preâmbulo.

A CIP valora de forma positiva o facto de Projeto de Decreto-Lei em análise expressar o respeito pela autonomia dos parceiros sociais na matéria sub judice.

3.

Em geral, o Projeto de Decreto-Lei suscita o seguinte reparo crítico.

A Diretiva 2014/50 prevê, no seu n.º 1 do artigo 7º, a possibilidade de os Estados-Membros poderem adotar ou manter disposições mais favoráveis do que as previstas na presente Diretiva.

Da leitura do Projeto de Decreto-Lei em apreço, verifica-se que o legislador português foi ambicioso.

De facto, enquanto que a Diretiva não faz qualquer menção aos trabalhadores independentes, o Projeto de diploma procura inseri-los no seu âmbito de aplicação.

Ora vejamos.

O n.º 1 do artigo 2º do Projeto de Decreto-Lei (“Âmbito de aplicação”) dispõe o seguinte: “O presente regime aplica-se a todos os regimes profissionais complementares de pensão, existentes ou a instituir, destinados a conceder pensões complementares a trabalhadores, subordinados ou independentes, previstos designadamente através de contratos de seguros coletivos, de regimes de repartição acordados por um ou mais ramos ou setores, regimes de pensões em capitalização ou através de compromissos de pensão garantidos por provisões no balanço das empresas ou quaisquer instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho ou outros acordos comparáveis, com exceção dos regimes abrangidos pelo Regulamento (CE) n.º 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social.” (sublinhados nossos).

Por seu turno, a alínea b) do artigo 3º do Projeto de Decreto-Lei (“Definições”) define “regime complementar de pensão” como “qualquer regime profissional complementar de pensão definido de acordo com o direito e a prática nacionais e associado a uma relação laboral ou de prestação de atividade autónoma, destinado a conceder uma pensão complementar a trabalhadores subordinados ou a trabalhadores independentes” (sublinhados nossos).

Da leitura das normas equivalentes na Diretiva ora em transposição – o n.º 1 do artigo 2º e a alínea b) do artigo 3º -, observa-se que o normativo comunitário não prevê a prestação de atividade autónoma, nem faz referência aos trabalhadores independentes, donde se conclui que estes últimos ficam excluídos do âmbito de aplicação do regime aplicável aos regimes complementares de pensão.

Assim, verifica-se que o Projeto de Decreto-Lei, neste aspeto, vai para além do que é consagrado na Diretiva.

Contudo, o problema reside na definição que o Projeto de diploma atribui ao conceito de “trabalhador cessante” – e que, naturalmente, determina a aquisição dos direitos que o mesmo visa proteger -, a saber, “um membro ativo do regime cuja relação de trabalho atual cessa por motivos que não sejam o facto de ter adquirido o direito a uma pensão complementar, independentemente de se deslocar, ou não, para outro Estado-Membro da União Europeia” (sublinhado nosso) – cfr. alínea g) do artigo 3º do projeto de diploma.

Ou seja, o Projeto de Decreto-Lei presume que há uma equiparação entre a figura trabalho subordinado ou por conta de outrem e trabalhado independente ou prestação de serviços.

Como a CIP já deixou vincado em pareceres anteriores, as figuras são distintas, correspondendo-lhes diferentes regimes, pelo que não se devem confundir.

É que subjacente a uma tal via, está o real desiderato, com o resultado a ser conseguido, de potenciar, com machadada letal, a descaracterização do contrato de trabalho, nos termos assumidos e definidos no artigo 1152º do Código Civil e, também, no artigo 11º do Código do Trabalho, miscigenando-o com o contrato de prestação de serviços, tal como definido e assumido nos artigos 1154º e seguintes, igualmente do mesmo Código Civil – miscigenação que se intenta operar pela aproximação, para além do limite que a racionalidade consente, do quadro obrigacional que, por imperativos da natureza própria de cada um, só à força, ou seja, mediante violentação, podem ser tão aproximados.

Em suma, adensa-se a confusão entre situações jurídicas completamente distintas, através de um nivelamento ao nível das implicações do regime que o Projeto de Decreto-Lei visa instituir.

Sucede, porém, que o legislador está tão embrenhado em obter tal desiderato – a equiparação forçada das figuras supramencionadas – que não equacionou o facto de, através do Projeto de Decreto-Lei em apreço, os trabalhadores independentes nunca poderem vir a reunir as condições de aquisição dos direitos ao abrigo do regime que ora se visa implementar, porquanto nunca poderão subsumir-se ao conceito de “trabalhador cessante”, pois em caso algum irão cessar uma relação de trabalho, tal como determina a transcrita definição de “trabalhador cessante” da já citada e transcrita alínea g) do artigo 3º do Projeto de diploma.

Ou seja, daqui resulta que os trabalhadores independentes nunca irão reunir as condições de aquisição de direitos ao abrigo de regimes complementares de pensão, as quais se encontram previstas no artigo 4º do Projeto de Decreto-Lei, tendo por referência o conceito de trabalhador cessante – cfr. alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 4º.

Desta forma, os trabalhadores independentes só poderão vir a ser considerados para efeitos de regime complementar de pensão ao abrigo do futuro diploma, se tal for previsto em sede de regulamentação coletiva de trabalho, de acordo com o n.º 3 do artigo 4º do Projeto de Decreto-Lei.

Assim, só resta concluir que, sob um aparente favorecimento dos trabalhadores independentes, o regime que o Projeto de Decreto-Lei visa instituir comporta sérias incongruências, mesmo prejuízos para estes trabalhadores.