Esta carta de missão não estabelece com a necessária clareza a intervenção da CGD nos mercados financeiros de modo a apoiar a modernização do tecido produtivo – em particular PME – e a reorganização do nosso sistema financeiro.

Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 20.07.2019

https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/carta-de-missao/

Conhecemos esta semana a carta de missão da Caixa Geral de Depósitos (CGD), aprovada há mais de dois meses pelo acionista (o Estado). Estranhamente, os portugueses não tiveram dela conhecimento antes de ser, agora, divulgada no site do banco.

Esta carta deveria, na minha opinião, definir a missão do banco público, enquanto instrumento ao serviço das prioridades nacionais em matéria de política financeira e económica.

A este respeito, defendo a necessidade de um banco público forte, com um papel importantíssimo a desempenhar no financiamento das pequenas e médias empresas (PME) e no redireccionamento do crédito bancário para os setores produtivos, em particular os que apresentam um maior potencial de ganhos de produtividade. Vejo a CGD como um banco de referência, capaz de imprimir uma nova dinâmica no mercado bancário, salvaguardando, evidentemente, critérios prudentes de avaliação de risco, mas com uma capacidade real de avaliar esse mesmo risco.

Na anterior carta de missão, de 2013, podíamos ler que a CGD deveria reorientar a sua carteira de crédito. Era quantificado um objetivo: aumentar em cerca de 2.500 milhões de euros o crédito a empresas não financeiras – excluindo o sector da construção e promoção imobiliária, bem como as empresas públicas fora do perímetro de consolidação.

Era definido que a CGD deveria contribuir para a alteração estrutural da economia; que deveria incentivar a capitalização do tecido empresarial português; que deveria apoiar o empreendedorismo, a inovação e a internacionalização das empresas com elevado potencial de crescimento. Era pedida uma atenção especial às PME (mais dependentes do crédito bancário do que empresas de maior dimensão).

É certo que podemos, hoje, perguntarmo-nos se tudo isto foi cumprido. Mas, pelo menos, estava definida uma visão: aspirar à posição de banco líder, na concessão de crédito às pequenas e médias empresas (especialmente exportadoras); no fomento da atividade produtiva, em particular de bens e serviços transacionáveis; no apoio à internacionalização das empresas portuguesas.

Na presente carta de missão, apenas encontro uma, entre oito linhas orientadoras, que se aproxima do que pode diferenciar um banco público de um banco privado: apoio à economia, mediante a orientação da atividade creditícia para as empresas, em especial na promoção da internacionalização e na operacionalização de linhas de apoio a PME. No entanto, estas intenções não são nem aprofundadas nem quantificadas.

De resto, vejo uma preocupação centrada na sustentabilidade e na rendibilidade do próprio banco (como aliás é próprio de qualquer acionista, público ou privado), mas encontro muito pouco de diferenciador no que respeita à missão do banco público face aos restantes bancos.

Esta carta de missão não estabelece com a necessária clareza a intervenção da CGD nos mercados financeiros de modo a apoiar a modernização do tecido produtivo – em particular PME – e a reorganização do nosso sistema financeiro.

Em suma, a carta de missão da CGD fica muito aquém daquilo que se exige a um acionista movido por algo mais do que assegurar um justo retorno ao seu investimento.