O que está em jogo é fundamental para o futuro da economia europeia, como um todo. O terreno que pisamos é desconhecido

 

Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 18.03.2017

“Com a aprovação no Parlamento britânico, na passada segunda feira, da lei que permite ao Reino Unido notificar a União Europeia (UE) da sua decisão de saída, chega ao fim o impasse que dura já quase nove meses, desde a realização do referendo sobre o Brexit.

A partir de agora, o Reino Unido e a UE deverão negociar dois acordos: o primeiro estabelecerá as condições da sua saída, incluindo, desejavelmente, disposições transitórias para o período imediatamente a seguir. O segundo definirá o quadro do relacionamento futuro entre ambas as partes.

Se, até agora, os 27 tinham razão de queixa contra o Reino Unido, por não ter ainda desencadeado o processo de saída, a situação inverte-se claramente. Ao contrário da UE, o Governo britânico já deu indicações, no seu Livro Branco, que pretende chegar a um acordo de comércio livre “abrangente, arrojado e ambicioso” dentro do prazo de dois anos que se abre com a notificação da decisão de saída.

A entrada em vigor deste acordo seria feita gradualmente, ao longo de um período transitório, dando tempo às empresas para prepararem a sua adaptação ao novo enquadramento.

Dois anos é, claramente, muito pouco tempo para a complexidade técnica e as dificuldades políticas das negociações que permitiriam chegar a este cenário. E não podemos contar à partida com a prorrogação deste prazo, para a qual é exigida unanimidade.

Temos, por isso, que estar preparados para outros cenários, o pior dos quais corresponde à ausência quer de um acordo que estabeleça o relacionamento futuro entre ambas as partes, quer de disposições transitórias no acordo de saída.

Neste caso, no momento da saída do Reino Unido da UE, o enquadramento bilateral a nível económico passaria, de um dia para o outro, a ser semelhante ao que temos com países, como por exemplo os Estados Unidos. No plano comercial, a UE aplicaria a Pauta Aduaneira Comum ao Reino Unido. Por sua vez, o Reino Unido criaria a sua própria pauta aduaneira e seriam erguidos controlos fronteiriços por ambas as partes.
Acresceriam os problemas operacionais derivados da impreparação das empresas e das entidades públicas para lidar com essa nova situação.

O que está em jogo é fundamental para o futuro da economia europeia, como um todo. O terreno que pisamos é desconhecido. Exige determinação, responsabilidade, realismo e criatividade. É preciso negociar sem hostilidades, num espírito de reciprocidade e respeito mútuo, conscientes de que as consequências de um falhanço são inaceitáveis.

No contexto da UE, o Governo português tem de estabelecer objetivos nacionais e a melhor estratégia para os defender. Para isso, terá de começar por identificar, ouvindo as empresas, quais são os interesses que estão em causa.

Pelo seu lado, as empresas que têm, ou pretendam ter, algum tipo de relacionamento económico com o Reino Unido têm de se preparar para um novo enquadramento que surgirá em março de 2019.
Dois anos é pouco tempo. A contagem decrescente começa dentro de dias: comecemos já a trabalhar.”