Pergunto-me se, de facto, os bancos estão a conceder crédito em função da avaliação dos méritos dos projetos ou se continuam a olhar, sobretudo, para as garantias prestadas.

Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 09.03.2019

https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/a-banca-e-as-empresas/

Depois de alguns tímidos sinais de retoma do crédito às empresas, os dados mais recentes relativos à evolução dos empréstimos concedidos pelo setor financeiro dão-nos, de novo, motivos de preocupação.

Dizem-nos os números do Banco de Portugal que, nos últimos 12 meses terminados em janeiro deste ano, os empréstimos às empresas se reduziram 2,2%, invertendo assim a tendência de atenuação das quedas que se vinha a registar há alguns meses.

No mesmo período, os empréstimos aos particulares aumentaram, impulsionados pela subida do crédito ao consumo – mais 6,1%.

A redução dos empréstimos às empresas teve origem nas empresas privadas, já que os empréstimos concedidos às empresas públicas aumentaram 9,3%, também nos últimos 12 meses. Este aumento contraria a tendência que se vinha a registar, até finais do ano passado, para um menor recurso das empresas públicas a financiamentos concedidos pelo sistema financeiro nacional.

Verifica-se ainda que a redução nos empréstimos às empresas privadas foi mais acentuada nas empresas exportadoras – menos 3,9%, uma queda com uma dimensão de que não temos registo há muitos anos. Pelo contrário, nos anos de crise, as empresas exportadoras eram uma exceção no panorama geral, registando taxas de variação positivas nos empréstimos concedidos pelo setor financeiro.

Como afirmei, neste mesmo espaço, há um ano, preocupa-me particularmente a situação do setor exportador. Para manter o bom desempenho das exportações, é necessário que as empresas possam aumentar a sua competitividade e a sua capacidade produtiva. Para isso, precisam de investir. Mas, para investir, as empresas precisam de financiamento.

Haverá argumentos que relativizam esta minha preocupação. As empresas privadas e em particular as empresas exportadoras terão agora uma situação financeira mais sólida e estarão a recorrer mais a capitais próprios para financiar os seus investimentos. Além disso, a queda no stock de empréstimos está ligada à alienação de crédito em incumprimento no balanço dos bancos. De facto, ajustados de vendas de carteiras de crédito, os empréstimos às empresas estão a aumentar, depois de um longo período de quedas ininterruptas desde meados de 2011.

No entanto, estes números não deixam de mostrar que o sistema financeiro continua a não ser capaz de redirecionar o crédito para os setores produtivos, nomeadamente para os que, em concorrência aberta com o exterior, apresentam um maior potencial de ganhos de produtividade.

Dirá a banca que tem de ser criteriosa na avaliação de risco e que o problema está do lado da procura, na falta de bons projetos.

Justificará isto que o crédito à indústria transformadora tenha voltado a cair, depois de alguns, escassos, meses de recuperação?

Pergunto-me se, de facto, os bancos estão a conceder crédito em função da avaliação dos méritos dos projetos ou se continuam a olhar, sobretudo, para as garantias prestadas e para a rentabilidade proporcionada pelas altas taxas de juro cobradas no crédito ao consumo.